(Foto: Divulgação/cearasc.com)

Se vivo fosse, Mitotônio completaria 100 anos nesta quarta-feira, 22/02/2017. O ponta-esquerda marcou época no Ceará e está no hall dos maiores nomes que já passaram por Porangabuçu. Na partida de hoje, contra o Flamengo, o clube organizou uma homenagem para o ex-craque do Alvinegro. Confira a história de Mitotônio no artigo do Diretor de Cultura, Biblioteca e Documentação do Clube, Pedro Mapurunga. 

Antônio Edgar da Silveira, amplamente conhecido como Mitotônio, foi um jogador de futebol cearense nascido em Granja, interior do Ceará a 22 de fevereiro de 1917. Abandonado pelo pai, Mitotônio foi criado por duas mulheres, sua mãe biológica e sua mãe de criação. As poucas notícias que se tem sobre a infância do maior ídolo alvinegro na primeira metade do século XX são escassas. Sabe-se que sua mãe biológica, conhecida como Maria Cipriano, era uma lavadeira da região e sua mãe de criação, professora. A origem do apelido não é inteiramente desconhecida. Havia um atacante da seleção argentina, muito conhecido no Brasil na década de 1930 chamado Massantonio. Craque de bola, Mitotônio ganhou o apelido do craque hermano, sendo inclusive identificado nos primeiros anos de carreira como Massantônio e não, Mitotônio. A transição dos nomes não se tem notícia como se foi dado.

Descoberto por Celso Gavião, um treinador renomado no futebol alencarino no final da década de 1930, foi em 1938 levado ao Fortaleza Esporte Clube e por lá ficou um pouco mais de um ano. O atleta Zé Cândido, irmão do renomado pesquisador Airton Fontenelle, hoje com 94 anos de idade, esteve em campo no dia que Mitotônio prestou o teste para integrar ao elenco do Fortaleza Esporte Clube. Zé Cândido disse que Mitotônio treinou no segundo quadro (reservas) por apenas 20 minutos, tempo suficiente para acender ao time titular e não mais sair.

Mitotônio dizia aos mais próximos que era torcedor do Ceará e sonhava jogar pelo time alvinegro. Com a profissionalização do futebol e a saída de Celso Gavião do clube tricolor, em 1940 Mitotônio estrearia com a camisa preta e branca para entrar de vez na história do maior clube do Estado e uma das maiores potências regionais do país do futebol.
A ponta-esquerda era sua posição de origem, mas era um artilheiro nato, tinha um chute de canhota poderosíssimo, apelidado de “tijolo quente” pela imprensa esportiva da época. Mitotônio era um jogador de personalidade tímida, de pouca cultura e poucos costumavam ouvir sua voz. Dentro de campo era temido e muito respeitado, era um jogador leal, muitas vezes chamado de cavalheiro.

Seu perfil introvertido não atrapalhou seu estrelato, quando estava de férias e retornava a sua terra natal, o único transporte possível era o trem. O maquinista informava as estações que iriam chegando que, Mitotônio, o maior jogador do Estado estava a bordo. Onde paravam, havia uma multidão para vê-lo. Chegando em Granja, a manifestação era ainda maior, o maior orgulho de sua terra. Atualmente o único estádio do município leva o seu nome: Estádio Mitotônio.

Praticamente todos os meios de comunicação dão a data de nascimento do ídolo alvinegro como 22 de fevereiro de 1916, e não 1917. Mas o ano correto é 1917, o departamento de Biblioteca do Ceará Sporting Club investigou a fundo e tirou a dúvida. Com isso, estamos no ano do Centenário deste ídolo que ajudou a ratificar o Vozão como um dos maiores clubes do país. O alvinegro cearense não seria o mesmo sem o craque.

Mitotônio foi campeão cearense pelo Ceará em 1941, 1942 e 1948. Em 1942 fez parte de um quinteto de ataque possantíssimo: Idalino, Jombrega, França, Hermenegildo e Mitotônio. Os dois últimos formavam a meia-esquerda mais poderosa do Nordeste, tanto que em 1945, quando o Ceará esteve suspenso de todas as atividades desportivas, Hermenegildo e Mitotônio foram emprestados a peso de ouro ao Náutico Clube Capibaribe pernambucano; a dupla voltaria no ano seguinte, com o retorno do Vovô aos gramados.

Em todos os anos que participou do Campeonato Brasileiro de Seleções, Mitotônio sempre foi o destaque da equipe cearense. Chamando atenção de clubes como Vasco da Gama, Fluminense e Corinthians, todos estes tentaram a contratação do craque de Granja. Em uma época que as transações eram bem difíceis, jogador do estado do Ceará ficava escondido da vista dos grandes treinadores brasileiros, impediram que Mitotônio tivesse um renome nacional entre os maiores jogadores do país.
Seus números com a camisa do Vozão são assombrosos: 151 gols em 219 jogos, uma média de 0,69gol/jogo. Foi o primeiro jogador alvinegro a atingir as marcas de 50, 100 e 150 gols com a camisa do time. Foi durante mais de 20 anos o maior artilheiro do Ceará em todos os tempos, hoje se encontra somente atrás de Gildo, o que o coloca no rol dos imortais. Está a frente de nomes como Sérgio Alves, Pipiu, Antonino, Magno Alves, Da Costa, Mota e Zé Eduardo. Disputou menos partidas que a maioria destes, o que transforma ainda mais seus números em lenda. Ressaltamos que Mitotônio nunca foi centroavante, era ponta-esquerda.

O fim do craque cearense não foi tão glorioso quanto suas marcas, mas digno de um mito, uma legenda. Mitotônio amou tanto o Ceará Sporting Club que tivera de morrer praticamente dentro de campo. Em uma partida frente ao Gentilândia, válida pelo Campeonato Cearense de 1950, no dia 31 de março de 1951. O Ceará venceu por 4x1 e Mitotônio deixou sua marca, mas antes do fim do primeiro tempo, o ídolo alvinegro sentiu uma dor intensa na cabeça; aos berros ajoelhou-se na grande área do adversário e levou as mãos a cabeça. O zagueiro do Gentilândia, Airton Monte, perguntou-lhe o que havia acontecido. Mitotônio dissera que parecia que uma espada havia entrado na sua cabeça. Levado para o lado de fora do campo, Mitotônio vomitou muito por alguns minutos e levado para a Assistência Médica, hoje conhecida como Instituto José Frota. Liberado após ficar algumas horas internado, voltou para casa. Na madrugada do dia primeiro de abril de 1950, por volta das 1:30, acordou para beber água e foi encontrado já morto na cozinha de sua pequena casa, localizada na sede do próprio clube, na rua Major Weyne.

Mitotônio teve um AVC e faleceu, assim consta em seu atestado de óbito, assim como todos os eventos que anteciparam a fatalidade, que servem como comprovação. O fato de o atleta ter vomitado a beira do campo, surgiu um boato descabido que Mitotônio morrera por que havia comido uma panelada no dia do jogo, que teria sido acometido por uma congestão estomacal e em seguida morrido. O fato além de não ser verdade, é praticamente impossível que aconteça com um atleta. Ele pode até ter comido a iguaria cearense, mas ela não foi a causa de sua morte. O boato foi tão danoso para a biografia do ídolo, que muitos, nos dias de hoje, conhecem apenas a história da panelada e desconhecem a biografia do ídolo, um dos maiores que já vestiram o manto preto e branco.

Sua morte causou comoção e dúvidas na sociedade fortalezense, como era primeiro de abril, e naquele tempo já era o dia da mentira, muitos duvidaram da morte do craque do Ceará. Estes deixaram de ir ao enterro do atleta, pois apostaram na mentira. Mesmo assim, uma carreata de 51 carros e centenas de populares acompanharam o funeral daquele marcou a vida de muitos alvinegros.

No Centenário do maior craque do Vozão na primeira metade de sua vida, vamos compartilhar um pouco de sua história, deixar de lado boatos infundados e enaltecer aquele que nos deu tantas glórias.

Viva Mitotônio!! Cem anos de seu nascimento!

(Pedro Mapurunga - Dir. de Cultura, Biblioteca e Documentação do Ceará S.C)